Opinião: Para onde vai o professor brasileiro – entre o sonho e o desencanto

Fonte: G1 –  19 de outubro de 2015

“A falta de continuidade das políticas públicas dá a essa área contornos pouco atraentes para os jovens”, afirma Andrea Ramal

Decidi entrar no magistério quando adolescente. Admirava os professores que entendiam a aula não só como lugar de passar conhecimentos, mas também de educar para a vida. Percebi que, para fazer alguma diferença, teria que trabalhar ajudando a formar gente. Acredito que a educação pode mudar pessoas, mudar relações sociais, tornar o mundo mais justo.

Dei aula mais de quinze anos, depois fui atuar com formação de professores e diretores de escolas, depois de universidades. Fiz mestrado e doutorado para entender melhor a questão da educação. Porque a gente começa acreditando que ela transforma tudo, mas na verdade a escola é parte de uma engrenagem bem mais complexa. E quando não é transformadora, a escola faz pior: acaba reproduzindo as desigualdades, acentuando os abismos e a exclusão.

Nessa linha divisória está o papel decisivo do professor, que pode incluir e integrar, resgatar sonhos, ensinar honradez, estimular a coragem e a determinação. Aquele que não se contenta com pouco, chama o aluno e diz: “Você pode mais”; que aproveita uma situação de briga ou de preconceito na aula, para falar sobre respeito. É nessas horas que se forma um cidadão melhor. Quanto mais alta a qualidade dos mestres, maior a perspectiva de um país.

Apesar disso, a desvalorização dos docentes e da área educacional, que já era grande quando comecei a carreira, se manteve e até se agravou. Basta tomar como parâmetro o que observamos este ano: nas universidades federais, cinco meses de greve. No ensino fundamental, piso de R$ 1.917,78 para professores com dedicação integral. Menos de 1% das escolas têm a estrutura satisfatória para o ensino, ou seja, biblioteca, laboratório, quadra esportiva, salas adequadas para atender a estudantes com necessidades básicas.

Muitas vezes, como professora, me senti como no texto de Clarice Lispector: “…equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e Deus”. Esse é professor brasileiro, que se equilibra como pode entre o sonho e a realidade, entre o desânimo latente e a garra de não desistir.

O baixo prestígio profissional, a falta de perspectivas de evolução na carreira e os próprios reflexos dos problemas sociais dentro da escola – como a violência, por exemplo – fazem com que no Brasil até faltem professores na educação básica: em torno de 170 mil, de acordo com o MEC. A falta de continuidade das políticas públicas – evidenciada, por exemplo, na alta rotatividade dos ministros da Educação – dá a essa área contornos pouco atraentes para os jovens que se fazem agora a mesma pergunta que me fiz há anos, sobre que carreira seguir.

Como escreveu Rui Barbosa: ““De tanto ver injustiças, a pessoa chega a desanimar da virtude”. Seria uma lástima se isso acontecesse e o país perdesse seus profissionais mais valiosos. Seria desistir do futuro. Antes que essa desdita se concretize, há que dar o devido significado a quem se dedica a formar a nova geração. É urgente. Se iniciássemos já, talvez só daqui a vinte anos o país sentisse a diferença. Mas quem trabalha com educação já sabe: é assim, no instante despretensioso do hoje, que se começam as maiores mudanças.

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