A formação do caráter na escola

Escrito por Fábio Torres  – Publicado em 01 Abril 2015 – Profissão Mestre

É fato que a educação no século XXI não deve se limitar apenas à simples transmissão de conteúdos. Não basta mais que os alunos saibam quem descobriu o Brasil ou qual é a raiz quadrada de 49. É preciso desenvolver também questões como saber trabalhar em grupo, ser uma pessoa generosa, justa, resiliente etc., qualidades que comporão o caráter da pessoa. O educador espanhol Alfonso Aguiló defende que é de extrema importância a existência de um programa de formação de caráter nas escolas, pois isso só beneficiará a convivência dos alunos tanto dentro quanto fora dos colégios.

Alfonso Aguiló é presidente da Associação Madrilenha de Empresas Privadas de Ensino e presidente da Fundação Arenales, promotora de centros de ensino. Entre os livros de autoria de Aguiló estão Tu hijo de 10 a 12 años (sem tradução para o português), A tolerância (Ed. Quadrante, fora de catálogo) e Educar o caráter (Ed. Quadrante). Suas obras abordam a educação de crianças e adolescentes e oferecem conselhos aos pais. Aguiló é ainda autor de mais de 200 artigos em revistas e publicações de todo o mundo. Em dezembro de 2014, o escritor esteve em Curitiba (PR) e conversou com a Profissão Mestresobre a formação do caráter das crianças e como tornar a aula e a escola mais atraentes para os jovens. Confira a entrevista a seguir.

Profissão Mestre: É possível educar o caráter das crianças?

Alfonso Aguiló: O caráter é uma questão muito importante na vida de uma pessoa e é uma lástima que ele não esteja presente nos currículos acadêmicos, porque sua ausência é total enquanto não há nenhum programa de formação em valores. Ele somente está presente como um tema transversal, não como uma ideia que as escolas têm sempre presente. Portanto, seria mais interessante se os colégios tivessem um programa detalhado de como educar cada um dos valores próprios do caráter.

Profissão Mestre: Nesse contexto, que tipos de práticas o professor pode usar em sala de aula?

Aguiló: É bom que o colégio tenha um programa de formação em valores para as crianças e que a cada semana, por exemplo, se dedique um tempo para falar sobre um tema, que pode ser sobre como melhorar determinada questão, trabalho em equipe, preocupação com os demais, generosidade, sentido de justiça ou qualquer um dos valores humanos que precisam ser promovidos. E que o professor possa, além de falar sobre isso, falar com os alunos, ter um diálogo e colocar exemplos práticos da vida do aluno que possam ser melhorados. Por exemplo, se aborda a generosidade, pode-se falar sobre como se deve ajudar o aluno que tenha mais dificuldades, visitar o colega que esteja doente; pode-se demonstrar ainda a generosidade para que a aula transcorra bem, [orientar para] que os papeis estejam guardados e as coisas estejam ordenadas; [mostrar] preocupação quando um aluno discute com outro e [ensinar para] que os outros saibam resolver a situação sem que exista algum tipo de violência na aula.

Profissão Mestre: Qual é o papel dos pais nesse processo? A escola pode trabalhar em conjunto com a família?

Aguiló: Nesse programa de formação do caráter, é importante que o colégio tenha um calendário de temas, o qual seja de conhecimento dos pais e explicado para eles. Assim, escola e família ensinam em conjunto a cada semana, a cada mês, visando melhorar o programa, que deve ser bem estudado, a fim de que, com o passar dos anos, essas pessoas realmente desenvolvam seu caráter.

Profissão Mestre: Qual a importância das habilidades não cognitivas para o bom desempenho e o desenvolvimento dos alunos?

Aguiló: Recentemente, li um estudo de um norte-americano que falava que “o sonho americano estava um pouco em crise”, o que é uma definição muito progressista. Não suspeito que seja tão conservador, mas se falava que o sonho americano estava em crise porque o desenvolvimento econômico não levava o mesmo tempo que o das virtudes pessoais e sociais; que o desenvolvimento econômico não havia trazido melhora da educação familiar; que a família está muito desestruturada; que há muita falta de seriedade, muita delinquência, muito abandono escolar, muitos problemas sociais que não são resolvidos somente com o aumento do nível de renda do país. É fundamental que família e escola tenham consciência de que as virtudes pessoais dos indivíduos são muito importantes para que um país avance, e quem tem que liderar isso é a família e a escola.

Profissão Mestre: Ensinar valores humanos também é uma função da escola?

Aguiló: Não tenho dúvidas. Penso que 99% dos cidadãos estão de acordo sobre quais são [esses valores], em um consenso muito amplo, e que esses valores devem estar presentes na escola. É certo que uma escola pode implantá-los com um enfoque e, outra escola, com outro. Mas é bom que exista pluralidade no sistema escolar, no qual há muitas escolas, muitas instituições, e que cada uma persiga sua formação, seus valores, por meio de um método ou outro, de modo que as famílias possam escolher qual método lhes pareça ser mais eficiente.

Profissão Mestre: Como tornar os conteúdos educativos e a escola mais atraentes para os alunos?

Aguiló: Este é um desafio para todo professor: fazer com que os valores, o conhecimento, o ter senso crítico e o pensar as coisas com profundidade sejam atraentes. Meninos e meninas, quando são pequenos, fazem muito mais perguntas, mas com o tempo deixam de fazê-las. É por isso que nós, como adultos, temos que fomentar esse sentido, essa curiosidade, essa ânsia, essa sede de saber. Também é verdade que eu não gosto que, quando se tem algum problema com um aluno, a culpa seja atribuída ao professor, que não o motiva. É verdade que o professor tem que motivá-lo, mas também é verdade que cada pessoa deve saber como se automotivar. É muito ruim que a mensagem passada para o aluno seja a de que a culpa de tudo que acontece a ele é do professor. Todos nós temos culpa, porque quando o ensino não vai bem, a culpa é do professor, da família, da direção da escola e do aluno também. Ninguém está livre da culpa, pois todos têm responsabilidade para que [os alunos] melhorem.

Profissão Mestre: Que prejuízos o aluno pode ter quando não tem o interesse desejado em uma aula?

Aguiló: Pode haver casos em que há internet na aula e o aluno, então, busque coisas que não são educativas, mas é preciso educá-lo. Em geral, quando as pessoas têm sede de saber, é fácil conduzi-las a buscar coisas que são úteis. Creio que não se deve ter muito medo quando o colocam para aprender coisas.

Profissão Mestre: E que tipo de práticas o professor pode utilizar para manter ou melhorar o interesse do aluno?

Aguiló: O primeiro passo é o professor conhecer muito bem seus alunos e ir à aula com desejo. Quando um professor se entrega à sua aula, sua turma, ele a aproveita; quando não o faz, é um trabalho muito duro. Portanto, quando um professor se entrega e está apoiado pela direção do colégio e pelas leis da educação, há um professor com um trabalho muito vocacional. Essa é uma maneira de motivar seus alunos a irem à aula a cada dia com desejo de aprender. Eu creio que isso é algo muito natural. Eu dizia que se um adolescente não quiser mudar o mundo, é porque está doente. Eles têm uma ânsia de saber, mas quando ficam maiores, desenvolvem o senso crítico, ao passo que tudo que encontram no mundo querem mudar, e é graças a isso que o mundo avança. Assim, aparecem novas pessoas que não são contaminadas pelas coisas ao redor e que, quando as veem pela primeira vez, pensam “isso não me agrada, isso tem que mudar”. Queremos que os adolescentes sejam rebeldes, mas com uma rebeldia boa, que mudem o que é ruim na sociedade, acabem com a corrupção, a falta de valores e de compromisso. Se os ajudarmos a serem assim, a melhorarem a sociedade, com uma educação na qual os alunos não sejam submissos, criaremos pessoas autônomas.

Profissão Mestre: Qual sua mensagem para os educadores brasileiros?

Aguiló: Que o Brasil é um país cheio de energia, de alegria, acolhe muito bem as pessoas, tem um futuro estupendo, e que saibam que o que acontece em um país depende em grande medida dos educadores. Portanto, entreguem-se a suas carreiras, pois é a profissão mais bonita que existe.

 

Entrevista publicada na edição de abril de 2015.

 

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