Quando o magistério fica em segundo plano

Folha Dirigida – Por Thiago Lopes

Cerca de metade dos alunos de Licenciatura nas áreas de Matemática e Física não pretende ou tem dúvidas quanto a seguir a carreira de professor de educação básica. Esta foi a conclusão da pesquisa “Atratividade do Magistério para a Educação Básica: Estudo com Ingressantes de Cursos Superiores da Universidade de São Paulo (USP)”, da pedagoga e mestre em educação pela Faculdade de Educação da USP Luciana França Leme.Motivada por estudos que apontam o baixo interesse pelo magistério na educação básica e pelas projeções que indicam que o número de licenciados no Brasil não contemplará a demanda por professores nos próximos dez anos, principalmente nos anos finais do fundamental e no ensino médio, a especialista ouviu 512 estudantes que ingressaram na instituição em 2010 e constatou números preocupantes. Do total de entrevistados que cursam Licenciatura em Física, 52% não pretendem ser professores ou tem dúvidas. Em Matemática, o percentual é 48% e entre os que escolheram a Pedagogia, é de 30%.

Entre os principais fatores apontados pelos estudantes para a falta de interesse em seguir a carreira de professor estão a baixa remuneração, as más condições de infraestrutura e de trabalho nas escolas e o desprestígio social. O gênero dos alunos de Licenciatura também foi identificado como um fator de influência. Segundo o estudo, as mulheres demonstram mais vontade de serem professoras. Porém, os homens são maioria nos cursos de Física e Matemática, o que acaba diminuindo o número de interessados em trabalhar dentro de sala de aula.

Na opinião de Luciana Leme, a atratividade do magistério é uma articulação de uma série de fatores. E o primeiro passo para tentar despertar o interesse dos jovens é a questão financeira. “O que precisa ser feito de imediato e que vai ajudar, mas não solucionar, é aumentar o salário. Os estados que não pagam o piso, precisam pagar. Contudo, precisamos de políticas articuladas. Ações isoladas podem causar algum efeito, mas não serão abrangentes”, afirmou, pedindo mais atenção para os planos de carreira docente.

“Para ganhar melhor, os professores acabam indo para cargos de direção. Precisamos valorizar a carreira do professor. Além disso, oferecer uma formação mais forte, com cursos que não passem apenas os conteúdos, mas também despertar o interesse no ensino e na aprendizagem”, falou.

Informar os jovens sobre o magistério pode ser alternativa

Para Mírian Paura, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutora e mestre em Estudos Avançados em Educação, a falta de interesse dos licenciandos tem a ver com a questão salarial e com a expectativa da sociedade a respeito da profissão do magistério. A educadora acredita que as pessoas não dão o reconhecimento necessário aos professores.

“A população, de um modo geral, não dá a devida importância para os profissionais da educação. Isso impede que tenham melhores condições de exercerem seu trabalho. Precisamos transformar essa visão e reconhecer a beleza da profissão. Caso contrário, a procura continuará baixa”, comentou.

Uma das possíveis ações para estimular os jovens, segundo Mírian Paura, seria uma intervenção no ensino médio com o objetivo de mostrar aos alunos o real significado do magistério, algo que já acontece em áreas mais procuradas, como Medicina e Direito. “Sou totalmente a favor da orientação profissional, mas não através de testes, e sim com discussões. Vivemos em uma sociedade extremamente complexa, com novas tecnologias. Precisamos analisar quais são as possibilidades de mercado e fazer com que haja mais valorização dos docentes, não só pelo que já são, mas também pelo que podem vir a ser”, falou, ressaltando que a única maneira de transformar o país é através da educação de qualidade. “Muitos professores trabalham em condições precárias, com salário mal pago, turmas com muitos alunos. Isso precisa mudar”, completou.

Segundo Luciana Leme, alguns estudos indicam que há um grande reconhecimento social dos docentes da educação básica. Entretanto, isto não gera nenhuma contrapartida em termos de salário, rendimentos, carreira e condições de trabalho. “As pessoas dizem que é o profissional mais importante na sociedade, afinal, é aquele que vai formar outros profissionais, das mais diversas áreas, além de ensinar bases importantes para o convívio, como a cidadania. Mas, contraditoriamente, eles são uma das categorias que têm os menores salários, carreira ruim, etc. Não sendo prestigiada, também não estará entre as mais desejadas. Acaba sendo vista como terceira ou quarta opção de escolha. Muitos dos professores acabam ingressando por acaso”, afirmou.

Falta de interesse também atinge outros países

Pesquisas realizadas em outras partes do mundo mostram que a falta de atratividade do magistério não é um problema exclusivo do Brasil. Isabel Lelis, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Puc-Rio) e professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), citou a pesquisa de Oldemária Maués sobre a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento, finalizado em 2005, evidenciou que 25% dos professores dos anos iniciais e 30% do ensino médio tinham mais de 50 anos, chegando a 40% do corpo docente em alguns dos 25 países europeus analisados.

De acordo com a educadora, no caso específico do nosso país, os principais fatores são, além das já citadas condições precárias de trabalho e os baixos salários, a falta de coordenação pedagógica nas escolas, a sobrecarga de trabalho, o excesso de alunos em sala de aula e a dificuldade de desenvolvimento profissional.

“O trabalho do professor envolve grande complexidade pois implica na relação humana entre professor e aluno. Exige ouvir e fazer o aluno se envolver no processo de aprendizagem, isto é, hoje o professor deve possuir uma série de competências emocionais, além das técnicas. Diante dos baixos salários, uma parcela do magistério possui dupla ou tripla jornada de trabalho, o que provoca doenças como estresse, síndrome de burnout, entre outras”, contou a especialista, responsável pela coordenação do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Professor e o Ensino (Geppe) da Puc-Rio.

Segundo professora e pesquisadora, é preciso implementar dois tipos de políticas públicas interligadas: de profissionalização docente e de melhoria da qualidade das escolas. Isabel Lelis acredita que há certa urgência em repensar a formação dos professores, sob o ponto de vista teórico e prático, e acabar com a imagem de miserabilidade do professor com a elevação dos salários, incluindo atividades extraclasse como planejamento didático, avaliação do desempenho, reunião com pais e formação continuada, além de instituições bem cuidadas e com salas de aula apropriadas, biblioteca, sala de informática e laboratórios.

“O fato de a escola ser gerida por uma liderança pedagógica, possuir setores de coordenação, orientação educacional certamente marcará o trabalho, pois são aspectos presentes nos colégios mais eficazes. Pedagogicamente, a escola é um locus privilegiado de socialização e formação de educadores. Os estabelecimentos de ensino também devem ser destinados ao desenvolvimento profissional do corpo docente”, disse.

Bancária de dia e professora à noite

A concorrência com outras profissões que pagam melhor e o gênero dos alunos também foram identificados pela pesquisa realizada na USP. Muitos estudantes das licenciaturas de Física e Matemática enxergam em outras carreiras dentro da área de exatas a possibilidade de receberem salários mais altos e, assim, acabam deixando o trabalho em sala de aula em segundo plano.

É o caso de Adelaide Cristina Rodrigues. Além de dar aulas de Matemática no Colégio Estadual Frederico Azevedo, ela é funcionária de uma agência bancária. “Basicamente, é pelo lado financeiro. Vemos professores trabalhando em dois ou três lugares para conseguir renda. Para alcançar o que ganho no banco, precisaria lecionar em três colégios. Dou aula para completar minha renda, mas não é a atividade principal, pois não teria como me manter”, contou.

Desde 2010 na rede estadual, a educadora contou que entrou na graduação com a intenção de ser professora. Apesar de seguir outro caminho, a paixão pelo ensino faz com que Adelaide mantenha a esperança de um dia conseguir se dedicar exclusivamente ao magistério.

“Minha ideia é assumir outra matrícula para poder sair do banco. Sei que é difícil, mas não vou desistir. Procuro a estabilidade do emprego público, já que do banco posso sair a qualquer momento. Mas o que motiva mesmo é o amor pela educação. É gratificante passar algo para alguém, ver que a pessoa aprendeu e terá resultado positivo no futuro”, falou.

Há 20 anos no ensino público, Sergio Lopes Rodrigues, professor da rede municipal de Duque de Caxias e da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec), é formado em Matemática e Engenharia Civil. O principal fator que afasta os jovens do magistério, para ele, é a falta de valorização do professor, dentro e fora de sala de aula.

“Quando falo que sou professor, já imaginam que ganho mal, mas não é bem assim. Existem lugares que pagam bem. É claro que o ideal seria ter um bom salário em todos os estabelecimentos, mas, infelizmente, o professor não é valorizado”, comentou, revelando o motivo que o fez optar pelo campo da educação. “Me identifiquei. É legal receber abraços e agradecimentos dos alunos nas formaturas. É um combustível para seguir firme e encarar as dificuldades”, disse.

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