Programa infantil

O Estado de São Paulo –  31 de março de 2013 –  Por Rafael Cabral

Empresas e pesquisadores apostam na inteligência e intuição das crianças para criar novos modelos de ensino 

Rafael Cabral 
Especial para o ‘Estado’ 

LONDRES – O ensino de programação e habilidades técnicas é só uma parte da transformação do ensino infantil. Uma ala mais radical de educadores planeja uma reestruturação ainda maior da educação através da tecnologia, trazendo as inovações para a sala de aula, colocando fim na tradicional divisão de conteúdo por disciplinas e criando uma abordagem mais concreta para o conhecimento adquirido. A ideia é comum a muitos empreendedores do setor: é preferível ajudar as crianças a aprender com a prática, tateando o caminho por elas mesmas, do que despejar conteúdo teórico que a maioria não sabe onde aplicar.

Encabeça esse grupo o professor norte-americano Mitchel Resnick, criador da linguagem de programação infantil Scratch, dos produtos robóticos da Lego e espécie de ideólogo da turma. Resnick é o criador e atual diretor de um laboratório do MIT dedicado apenas a criar ferramentas intuitivas para o aprendizado de crianças, o Lifelong Kindergarten Group. Ele acredita que é necessário integrar as diversas disciplinas até o ponto em que a separação entre elas praticamente desapareça, em prol de uma abordagem em que as crianças aprendam primordialmente a solucionar problemas.

Algumas empresas que atuam na área já vêm se adaptando a esses conceitos. Trabalhando há 15 anos com o desenvolvimento de robôs voltados para crianças, a Lego foi uma das pioneiras na área e faz parte da maioria dos programas modernos de ensino de tecnologia para crianças, através dos seus produtos WeDo e Mindstorms.

“Em vez de alguém dizer que determinada fórmula matemática é correta, elas podem simplesmente testar, programar um robô e ver se aquilo de fato funciona. Isso ajuda o cérebro a assimilar informações”, acredita Abigail Fern, diretora de educação da marca dinamarquesa. Ela pontua que os maiores desafios para a adoção de novos métodos pedagógicos são as barreiras impostas pelos próprios diretores e professores. “Existe o medo de mudar algo já estabelecido em prol de algo novo e desafiador, mas é preciso superar essa visão. O ensino de tecnologia pode tornar as crianças melhores em matemática, ajudá-las a se organizar melhor e fortalecer o entendimento de lógica. Muitos podem cogitar seguir uma carreira na qual nunca pensaram antes se forem expostos a esse tipo de conteúdo”, acredita.

Outros bom exemplos de startups que se esforçam para incentivar novos métodos de ensino usando a tecnologia são as norte-americanas Makey Makey e littleBits, ambas saídas de pesquisas no MIT. A primeira criou uma placa baseada no hardware livre Arduino que, com o auxílio de pequenos pregadores, transforma qualquer objeto que minimamente conduza eletricidade em um controle de computador, tornando possível tocar piano com bananas ou jogar videogame com massinha.

O littleBits lembra os tijolinhos coloridos de Lego, com as pecinhas eletrônicas que permitem criar uma série de traquitanas. Cada kit vem com uma bateria de nove volts e blocos de quatro cores: o azul fornece a energia, o rosa controla o circuito elétrico, o laranja funciona como um extensor e o verde controla sinais visuais, físicos e sonoros. Apesar de parecer complexo demais para uma crianca, é bem simples manipular e construir uma série de brinquedos – a maioria já está documentada em uma comunidade no site da empresa.

De volta ao pré. “Não devemos menosprezar a inteligência das crianças. Elas têm uma grande intuição e muitas vezes estão mais abertas que adultos a aprender coisas novas”, afirma a canadense Ayah Bdeir, engenheira que projetou o kit inicialmente para designers e mudou o foco no meio do caminho. Assim como os outros empreendedores da área, Bdeir é bastante crítica com os métodos tradicionais de pedagogia. “Escolas oferecem um conteúdo desconectado da realidade de muitas crianças. Muitas delas têm laptops e tablets em casa e na escola aprendem em ferramentas obsoletas. Acredito em uma visão multidisciplinar que privilegia o conhecimento prático, mostrando onde cada teoria se aplica.”

Para o acadêmico Resnick, essa busca se traduz em um conceito simples: fazer a educação infantil em geral mais como o jardim de infância. Ele explica: “Muito do ensino que temos hoje é um professor em pé em uma sala de aula e as crianças escrevendo palavra por palavra. No modelo ideal, que segue o jardim de infância, as crianças estariam engajadas em desenhar, criar, experimentar e explorar, em colaboração umas com as outras, trabalhando em coisas com as quais eles se importam. No final das contas, elas imaginam, criam, experimentam, brincam e aprendem juntas.”

 

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