FRACASSO ESCOLAR É MAIS RECORRENTE ENTRE ALUNOS NEGROS

Todos pela Educação –  Mariana Mandelli – 06 de março de 2013

Dados mostram ainda que, entre meninos autodeclarados pretos no questionário da Prova Brasil, são maiores as taxas de repetência e de evasão

Fracasso escolar é mais recorrente entre alunos negrosJoão Bittar – MEC
A porcentagem de alunos negros com mais de dois anos de atraso escolar chega a 14% no Brasil. Entre alunos brancos, a taxa cai pela metade: 7%. Além disso, apenas metade dos estudantes negros, ao atingir o 6º ano do Ensino Fundamental, tem a idade correta para o ano em que estuda. Os números estão na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011.

Dados como esses mostram que o fracasso escolar – entendido como baixo rendimento, repetência, abandono e evasão – atinge de formas diferentes estudantes que fazem parte de grupos distintos, quando observados aspectos étnico-raciais. Esse é o tema do artigo “Fracasso escolar e desigualdade no Ensino Fundamental”, da pesquisadora Paula Louzano, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). O texto está publicado no relatório De Olho nas Metas 2012, quinta edição de monitoramento das 5 Metas do Todos Pela Educação.

A pesquisadora usa também, no artigo, dados dos questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, respondidos pelos próprios estudantes. Os números mostram que, entre as crianças autodeclaradas pretas, 43% já tiveram algum tipo de fracasso escolar – entre as que se dizem brancas, essa taxa é de 27%. Ou seja: os alunos pretos abandonam e reprovam com mais frequência do que brancos e pardos, independentemente do lugar do País e da escolaridade dos pais.

“A contribuição do estudo é apresentar a raça/cor como uma variável válida, uma vez que muitos acreditam que as diferenças nos dados estão ligadas apenas a discrepâncias no nível socioeconômico. Os números provam que a raça/cor tem, de fato, impacto no desempenho acadêmico”, explica Paula. “Além disso, é interessante mostrar que a variável não deve ser considerada somente no Ensino Superior”, afirma Paula.

No ano passado, o Brasil ganhou a chamada Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas das universidades federais para estudantes que cursaram o Ensino Médio na rede pública. Metade dessas vagas considera apenas critérios raciais e a outra metade analisa ainda a renda familiar do candidato. A raça é autodeclaratória.

“Antes, a discriminação acontecia porque a proporção de negros fora da escola era maior. Ou seja, o problema era o acesso. O País conseguiu incluir com a universalização do Ensino Fundamental, mas acabamos criando novas formas de exclusão, que são o fracasso escolar e o baixo aprendizado, especialmente entre os meninos negros”, explica a pesquisadora.

Segundo Paula, não é possível ter respostas objetivas para as explicar as diferenças, uma vez que os estudos qualitativos existentes sobre o tema não podem ser generalizados. “Ainda precisamos diagnosticar o que ocorre. Algo se dá durante a experiência escolar desse aluno, seja dentro ou fora da escola, que contribui para esses resultados”, explica Paula. “É preciso estudar as relações sociais dentro da sala de aula e da escola, além de pesquisarmos as expectativas que os professores têm sobre seus alunos e como se dá a autoestima dos estudantes negros dentro do ambiente escolar.”

Em 2009, um estudo dos pesquisadores Ricardo Madeira, Marcos Rangel e Fernando Botelho, do departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), comparou as notas que os professores davam aos seus alunos com as notas obtidas pelos estudantes no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), a avaliação anual do governo paulista.

Os dados mostraram que alunos negros e brancos com os mesmos resultados no Saresp tinham notas diferentes dadas por seus docentes em sala de aula – as notas das crianças brancas eram maiores. Entre meninos e meninas, eram elas que apresentavam os melhores desempenhos, de acordo com os professores.

Localização
O artigo de Paula Louzano também mostra as diferenças entre as regiões do Brasil. Os dados analisados revelam que meninos pretos residentes no Norte e Nordeste, de pais sem o Ensino Fundamental completo, têm 65% de probabilidade de chegar ao 5º ano tendo repetido um ano ou abandonado a escola no mínimo uma vez. De acordo com a análise, esse é o grupo mais propenso ao fracasso escolar.

Em contrapartida, no outro extremo, meninas brancas da região Sudeste que têm pais com Ensino Médio completo, apresentam a mais baixa probabilidade de fracasso escolar avaliada: 10%.

Os dados ainda revelam que ser negro aumenta a probabilidade de fracasso escolar da criança entre 7 e 19 pontos percentuais, considerando apenas as crianças com pais que completaram a Educação Básica.

Para Paula, o problema deve ser atacado como um todo, criando ações que evitem a repetência, a evasão e o baixo desempenho independentemente da raça/cor, região onde vive e escolaridade da família. “Temos de pensar em políticas para cobater o fracasso escolar para todos porque, se a média melhora, também melhora para as crianças negras, uma vez que o nível de ensino no Brasil é muito baixo para todo mundo”, reflete.

Políticas
A falta de valorização da cultura negra dentro da escola e na sociedade brasileira de forma geral, segundo Paula, pode ser uma possibilidade para explicar a maior incidência das situações de fracasso escolar entre os alunos negros. Desde 2003, está em vigor no Brasil a Lei 10.639, que inclui no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade de temáticas referentes à história e cultura afro-brasileira. “Nós não valorizamos a diversidade no Brasil. Precisamos trabalhar a tolerância”, afirma.

A professora Ione Jovino, pesquisadora do Núcleo de Relações Étnico-Raciais, de Gênero e de Sexualidade (NUREGS) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), concorda e destaca a necessidade de reforçar políticas educacionais já existentes, como aumentar a produção de material didático com a valorização desses conteúdos e reforçar a formação continuada dos professores. “O MEC (Ministério da Educação), por meio da Secadi(Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), tinha muitos editais de proposição de obras didáticas, cursos de formação e fóruns de discussão. De dois anos para cá, essas ações diminuíram. É preciso retomá-las”, opina. “Professores e funcionários não podem ver como natural situações de preconceito ou achar normal que um aluno negro vá pior na escola do que um branco.”

Para Ione, existe algo intrínseco à escola que impacta na questão racial. “As pesquisas apontam que, mesmo quando igualamos as variáveis de brancos e negros, os negros sempre aparecem em piores condições. Existe algo além do socioeconômico”, explica. “Negros são massivamente reprovados e realmente abandonam mais a escola.Enquanto não combatermos esse preconceito social e histórico, as coisas não vão mudar. É preciso fazer as pessoas entenderam que existe a necessidade de todos serem tratados igualmente, da mesma forma. Por essa razão, denunciar casos de racismo e promover cada vez mais pesquisas que tragam o tema à tona são ações importantes.”

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