Tudo tem que mudar para que tudo permaneça igual

 

Publishnews – Julio Silveira – 28/03/2013

Grandes editoras se adaptam para manter a hegemonia em tempos digitais. “Estamos vivendo uma espécie de revolução, e uma das poucas coisas que se podem dizer com certeza sobre uma revolução é que, quando se está no meio de uma delas, não se tem ideia de onde e quando ela terminará”, concluiu (não muito conclusivamente)John B. Thompson, depois de quatro anos pesquisando o mercado editorial. Um negócio, que parecia seguir um formato estabelecido há uns duzentos anos, e que está convulsão. Não se sabe aonde essa revolução levará, mas sente-se, que do jeito que está, não dá para levar. Ou não.
“A situação hoje é distinta. O que passa a ocorrer quando o livro de um jovem autor traduzido, ou mesmo de um eterno candidato ao prêmio Nobel, vende apenas um sexto da edição? Como fechar essa conta quando o prejuízo aumenta? A conta do fracasso começa a ficar mais cara, e o sorriso nos lábios se mistura com uma ponta de preocupação.” Este testemunho do desconforto do estágio atual do livro vem de Luís Schwarcz, editor extraordinaireque sempre enxergou o que era preciso fazer para manter a Companhia das Letras à frente do mercado, incluindo juntar forças com um megagrupo editorial, a Penguin.
Sintomaticamente, a mesma Penguin achou por bem amalgamar-se, por sua vez, à gigantesca Random House, um grande passo na direção de reduzir o mercado editorial a um punhado de empresas (comoprofetizado). “Reduzir para fortalecer” e “adaptar-se para o mundo digital” foram as justificativas para a constituição do gigantesco “Pinguim Aleatório” (Random Penguin).
Contudo, ao fim e ao cabo, não era para a Random House (-Penguin (-Companhia das Letras)) mexer no seu time. Estão ganhando. Acabam de comemorar o melhor ano de sua história. Um crescimento de 23% nas vendas e de assombrosos 76% nos lucros. Parte do sucesso deve-se à outra cifra: 50 (tons de cinza). Também deve-se levar na conta que quase um quarto das vendas é de livros digitais.
Para a imprensa e o público, o chefão Rebuck discursou: “Foi um ano que serviu para nos lembrar de nossa missão como editores para fazermos a curadoria, com paixão e habilidade, da publicação criativa que informa, diverte e inspira. Nesta nova era digital, há muitos novas avenidas para editoras explorarem, mas devemos sempre focar em livros e em seus autores. Estamos, é claro, inovando na esfera digital, compreendendo e atendendo o leitor […]. Porém qualquer que sejam as oportunidades à frente, em particular nossa fusão planejada com a Penguin, devemos nos lembrar que é o livro — em formato digital ou físico — que continua a ter o poder de transformar vidas.”
Muito bonito, seu CEO. Mas já que estamos falando de “focar em seus autores” e de “inovar na esfera digital” é preciso dizer que nem todos estão contentes. Choveram algumas pedras nas janelas da Random House, mais especificamente em sua empreitada digital, no selo Hydra. A proposta tem lá sua lógica: os livros seriam publicados (só em ebooks) e a receita seria dividida, com a editora recuperando primeiro seu investimento em edição, design etc.
“Hydra oferece um modelo diferente — mas potencialmente lucrativo — de publicação para autores: uma participação no lucro. No tradicional modelo de adiantamento mais royalties, a editora assume todo o risco financeiro, e recupera o adiantamento antes de o autor receber sua parte. Com um modelo de participação nos lucros, não há adiantamentos. Ao invés disso, o autor e editor dividem igualmente os lucros de cada venda. Na prática, somos sócios do autor em cada livro”, argumentou a Random House.
A proposta foi, digamos, inovadora demais, e provocou a desconfiança até de gente que não acredita mais no modelo tradicional, como Cory Doctorow. “Tem todas as desvantagens da autopublicação, e todas as desvantagens das editoras tradicionais — e nenhuma das vantagens de ambas”. As piores críticas foram para a cláusula em que a Random House ficava, de modo vitalício, com o copyright da obra. Essa exigência dá pistas do verdadeiro modelo de negócios da empreitada: a Random House pode estar querendo pescar, para o modelo impresso e tradicional, títulos fazem sucesso primeiro no digital (como foi o caso de 50 Tons de cinza), sem arriscar do seu bolso.
O escritor (bestseller) John Scalzi jogou gasolina na fogueira. Disse que a Hydra, estava “testando as cercas [que separam editora e autor], procurando os pontos fracos” e tentando impor um novo modelo de negócios que, por seu tamanho, seria imposto a todas as editoras. Scalzi recomenda que a tal cerca seja eletrificada, e que cada um continue em seu canto. “Os escritores têm de dizer que isso é bullshit, e se recusar a assinar contratos com editoras com essas cláusulas.”
O barulho foi tanto que a Random House recuou — agora a Hydra dá aos escritores a opção tradicional, de receber adiantamento e royalties.
Enfim. Uma revolução às vezes anda para trás. Talvez seja o caso de reforçar as cercas que separam escritores e editoras e nos agarrarmos aos modelos tradicionais. Ou derrubá-las e enxergar o que está vindo aí, como fez John B. Thompson:
“Não há dúvida de que alguns escritores prefeririam dispensar as editoras tradicionais e/ou se publicar pessoalmente ou usar um dos muitos serviços de autopublicação hoje disponíveis, mas isso não eliminaria necessariamente os editores e editoras. […] Boas editoras são formadoras de mercado: elas constroem mercados para livros em vez de simplesmente torná-los disponíveis. Esse ponto é crucial: nunca foi tão fácil ‘publicar’ no sentido de tornar um conteúdo disponível — basta colocá-lo on-line. Mas ‘publicar’ no sentido de tornar um livro conhecido do público é hoje mais difícil do que nunca, dado o puro volume de informação disponível. Hoje, as boas editoras são formadoras de mercado em um mundo onde é a atenção e não o conteúdo que anda escasso.”

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