Perspectiva 2014: Reprovação ou promoção automática? Como melhorar rendimento?

Por iG São Paulo – Ocimar Munhoz Alavarse*

Aumento de reprovação aumenta o fracasso em vez de enfrentá-lo e opõe-se à efetiva democratização da escola

Dentre as várias polêmicas relativas ao processo de escolarização, certamente aquela que envolve a polarização entre a reprovação e a promoção automática no ensino fundamental é uma das mais acirradas. Recentemente os governos de São Paulo, município e Estado, impuseram às redes que dirigem o aumento das possibilidades de reprovação, antes apenas localizadas ao final dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, respectivamente 5º ano/4ª série e 9º ano/8ª série (à exceção do critério de frequência inferior a 75%, que reprova em qualquer uma das séries).

Qual seria o problema que aí se concentra? Uma das respostas é que historicamente o ensino fundamental, sucedâneo dos antigos ensino primário e do ciclo ginasial do ensino secundário, tem como marca a organização curricular seriada, com a passagem de uma série “menor” para uma “maior”, daí a expressão “promoção” ou “progressão”, é condicionada – não automática, nem continuada, portanto – pela avaliação que os professores fazem do aproveitamento acadêmico de cada aluno para garantir que merecem a aprovação.

Aos reprovados é destinada a repetência, ou seja, fazer novamente no ano seguinte a mesma série para que possa atingir o patamar de aproveitamento considerado indispensável para o prosseguimento no fluxo escolar. Assim, aparentemente, a decisão de aprovar ou reprovar obedeceria somente a critérios pedagógicos.

Contudo, desde o início do século XX, quando ainda principiava a disseminação da escola de massas no Brasil, alguns pesquisadores e gestores de redes escolares começam a estudar as taxas de aprovação e passaram a questionar os resultados, tanto em comparação com outros países, quanto em relação às necessidades de democratização da escola básica. Eles concluíram que haveria restrições com respeito aos critérios utilizados por professores para decidir quem deveria ser promovido e que as escolas não estavam organizadas para garantir aos alunos um acompanhamento pedagógico adequado para que isso pudesse dar-lhes as condições de aprendizagem a fim de que, ao final do ano letivo, pudessem ser aprovados.

Nesse cenário, tivemos em 1920, no estado de São Paulo, a Reforma Sampaio Dória, que instituiu a promoção automática da primeira para a segunda série, mas que durou apenas um ano, pois foi “acusada” de atentar contra a qualidade da escola primária paulista. Várias outras iniciativas já foram tomadas no Brasil nesse sentido, algumas mais articuladas, como foi a proposta de organização em ciclos, outras mais restritas. Mas, em síntese, quando analisamos as taxas de aprovação do ensino fundamental no Brasil, etapa obrigatória da educação básica, a constatação é a de que estas são muito baixas, inclusive, como um exemplo eloquente, aquelas relativas ao 1º ano, envolvendo crianças muito pequenas, que em 2012 foi de 96,8%. Na 5ª série, neste ano, a aprovação foi de apenas 86,4% e, na 8ª série, foi de 80,9%. Isto é, tais iniciativas não alteraram o fluxo escolar brasileiro. Adicionalmente a esse quadro de alta seletividade, verificamos que os nossos alunos não obtêm altas proficiências em provas padronizadas, como são os casos do Saeb e do Pisa.

Nota-se também que nas condições brasileiras, cujos professores, tradicionalmente, têm se utilizado da “pedagogia da repetência” – quer por crenças didáticas, quer por crenças liberais de mérito educaciona -l, a reprovação tem incidido muito mais sobre aqueles alunos com as piores condições socioeconômicas, para os quais deveríamos indicar verdadeiras “pedagogias de sucesso”.

Dados da Prova São Paulo, avaliação externa da Rede Municipal de Ensino de São Paulo, relativos à 4ª série/5º ano apontam fortes evidências que contestam a suposição generalizada de que a reprovação ajuda os alunos, pois quem mais ganha no aprendizado no intervalo de um ano são os alunos que, mesmo com baixa proficiência, foram aprovados. Ainda que esses ganhos muitas vezes não sejam suficientes para colocá-los em patamares de desempenho adequado, eles têm mais sucesso do que os estudantes que foram reprovados.

Vale sublinhar que pesquisas evidenciaram que a reprovação depende mais da turma onde ocorre do que de supostos critérios objetivos dos professores que decidem pela reprovação, agravada pelo fato de que, salvo honrosas exceções, os alunos repetentes nunca têm um tratamento à altura de suas necessidades, o que lhes dá maior probabilidade de reprovação do que qualquer aluno que esteja na série pela primeira vez.

Paradoxalmente, o aumento da possibilidade de reprovação tende mais a aumentar o fracasso escolar do que efetivamente enfrentá-lo, opondo-se à efetiva democratização da escola. Com efeito, a tentativa de superar um problema real – as baixas proficiências de alunos ao final do ano letivo – pode gerar outro – o aumento do fracasso escolar – escamoteando o desafio de garantir as condições de aprendizagem para todas as nossas crianças.

* Ocimar Alavrse é Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), especialista em avaliação.

 

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