O desafio da educação para quem mais precisa

Gazeta Online –  Katilaine Chagas

Uma lei federal garante o direito do acesso à educação, as escolas até matriculam, a socialização de alguma forma acontece, mas na hora do aprendizado de fato… esse fica completamente a desejar.

É o relato comum às famílias com filhos com necessidades especiais de aprendizagem. “Ele não consegue reconhecer conceitos, não decora tabuada, por exemplo. Quando se dá uma prova, tem que explicar cada questão. Mas isso não acontece. É saber lidar, não tentar curar”, diz Sheridan Birck, 51, mãe de Miguel Birck Gotardo, 14, aluno do 9º ano. Ele tem transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia.

O filho estudou em escola particular até o 8º ano. “Depois disso, levei para a pública, ontem tem professora para alunos especiais. Só que é uma pessoa para a escola toda. Ela é esforçada, mas não dá conta”, lamenta Sheridan.

A Constituição Federal, em seu artigo 205, diz que a educação é direito de todos. E a Resolução CNE/CEB nº2/2001, que define as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica, determina que as escolas de ensino regular devem matricular todos os alunos em suas classes comuns e com todo o apoio que for necessário.

Escolas públicas ou particulares que negarem matrícula a um aluno com deficiência cometem crime, sob pena de reclusão de um a quatro anos, segundo o artigo 8 da Lei nº7853/89. Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão prevê mais diretrizes para garantir a educação regular de pessoas com necessidades especiais. Ou seja, leis há. O problema é que só em parte ela é cumprida.

Avaliação

A presidente da Associação de Amigos de Autistas do Espírito Santo (Amaes), Pollyana Paraguassu, ressalta o atraso na adaptação das escolas. “A inclusão mal feita é exclusão. Não existe uma proposta pedagógica. Não existe uma adaptação curricular”, cita.

E acrescenta que o ideal seria ter uma ação multidisciplinar: “Precisa de saúde, assistência social. Precisamos de união de políticas públicas”. “Nossos filhos não precisam de babás, mas de alguém que cuide do aprendizado”, completa ela, que é mãe de Felipe Paraguassu, 13, que é autista.

Como presidente da Amaes, ela está acostumada a ouvir relatos de outras mães: “É muito comum criança que vai para a escola e não tem cuidadora, não tem estagiário, e fica vagando pela escola”.

Professores

Do lado dos professores, fica a angústia de saber que esses alunos requerem atenção especial e o sentimento de impotência pela falta de estrutura para dar conta do aprendizado de todos.

“O professor se vê engessado com um ou dois alunos somados a mais 30 que não possuem necessidades especiais, pois humanamente é impossível manter dedicação exclusiva”, lamenta uma professora de 29 anos da rede municipal de Guarapari.

Ela destaca que a inclusão é apenas teórica: “O aluno especial compartilha o ambiente com os demais estudantes, mas não desenvolve plenamente sua capacidade cognitiva”.

A neuropsicopedagoga e coordenadora de projetos da Associação de Pais e Amigos Vitória Down, Carolina Brancato, confirma. “O professor tem uma realidade muito cruel. É uma falha geral do sistema”, diz a mãe de Juana, 12 anos, que tem síndrome de down.

A confeiteira Ana Paula Vieira de Souza, mãe de Matheus Vieira de Souza, 18, que tem autismo, relata a via-crúcis do filho. Depois de experiências ruins, a família matriculou Matheus em uma escola pública de Vila Velha, onde conseguiu atendimento mais adequado, mas ressalva que, no seu caso, o bom atendimento depende da boa vontade dos professores, que nem sempre têm estrutura para tal.

“Ele é bem atendido, mas elas (professoras) não têm curso. O que elas têm é amor pela profissão”, diz Ana Paula. “Mas outros professores não têm interesse nenhum. Tratam ele como se fosse retardado”, lamenta.

Soluções

Carolina Brancato cita algumas ações que podem ajudar no aprendizado. “Tem que ter um plano para o aluno e como esse plano vai ser fixado.”

Entre as possibilidades, a psicóloga Suzana Maria Gotardo Chambela cita: adaptações curriculares, como dar mais tempo para fazer uma prova, mudar a grade curricular para o aluno ou ainda desdobrar em dois um ano letivo.

Enquanto essas soluções não vêm, pais continuam contando com a boa vontade de professores. “Por enquanto, é só amor mesmo”, lamenta a professora da rede de educação de Guarapari.

Mães relatam despreparo de escolas particulares

As mães de crianças e adolescentes com necessidades especiais de aprendizado relatam que não lhes são recusadas a matrícula de seus filhos em escolas particulares. Até porque isso é crime punível com detenção de um a quatro anos, como prevê a Lei nº7.853/89, no seu artigo oitavo.

O problema é que as escolas alegam não estar preparadas, dizem os pais. E qual mãe ou pai quer deixar seu filho numa escola reconhecidamente sem estrutura para atender as demandas de seus filhos?

“Numa particular isso aconteceu comigo. Elas preferem se desqualificar. Depois que se desqualificam, como você vai deixar lá uma criança que ninguém quer?”, questiona a cinegrafista Sheridan Birck, 51 anos, mãe de Miguel Birck Gotardo, 14, aluno do 9º ano. Ele tem transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia.

“Uma escola particular o aceitou, mas não fizeram nada por ele. Ele foi convidado a se retirar de um colégio porque não havia professor para lidar com ele”, diz a confeiteira Ana Paula Vieira de Souza, mãe de Matheus Vieira Santana, 18 anos, que tem autismo.

Procurado pela reportagem, o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe) não respondeu aos questionamentos.

Prefeituras dizem que alunos são atendidos

A Prefeitura de Vitória informou que administra 102 unidades de ensino, com atendimento a 1.028 com algum déficit intelectual ou com transtornos globais de desenvolvimento.

Os alunos são acompanhados por professores especializados “nas diversas áreas da modalidade” e estagiários de Pedagogia e outras áreas. A Secretaria Municipal de Educação também tem profissionais para higienização, alimentação e locomoção de alunos. E aos professores é oferecida formação no horário ou em outro turno de trabalho.

Na Serra, existe uma coordenação para cuidar da Educação Especial, com atendimento aos alunos no turno e contraturno. Nas 134 escolas e creches da cidade, há profissionais para alunos especiais, diz a prefeitura. E todos os professores são capacitados para atender alunos com necessidades específicas.

Em Cariacica, há 104 unidades e professores colaboradores das ações inclusivas, com formação inicial e especialização nas áreas das deficiências e na Educação Especial. E passam também por formação continuada. São 245 professores colaboradores e 150 cuidadores.

Vila Velha respondeu que suas 98 unidades estão preparadas para crianças com necessidades e que os professores recebem formação.

A Prefeitura de Guarapari não respondeu os questionamentos da reportagem.

O que diz a lei

Constituição Federal

Garantias

O Art. 205 determina que a educação é direito de todos. O Art. 208 estabelece que isso aconteça com todos os apoios necessários e que pode ser realizado em parceria com o sistema público de ensino

Lei nº7.853/89

Matrícula

O Art. 8º prevê crime punível de reclusão de um a quatro anos a quem, de escola pública ou particular, negar matrícula a aluno com deficiência

Lei Brasileira de Inclusão

Bases

Traz bases para atendimento a pessoas com deficiência. E veda cobrança de valores adicionais em particulares

Análise

“O que há hoje não é inclusão de fato”

“Temos uma legislação que avançou muito. A maioria dos países preconiza que todas as crianças têm que ser matriculadas em escolas comuns. Hoje as escolas têm que se adaptar ao aluno. Mas, para fazer uma inclusão de fato, tem que garantir o acesso, a permanência nela e a saída da escola com êxito. Mas temos uma grade curricular engessada. Hoje todos os alunos são avaliados sob o mesmo parâmetro. As diferenças individuais não são contempladas. O que a gente tem hoje não é inclusão de fato. Acho que falta um esclarecimento de que a questão não é só o professor. Propomos adaptações curriculares. O professor de apoio não é o único recurso. É preciso ter materiais e equipamentos específicos para cada necessidade. A grade curricular poderia ser adaptada para cada caso. O professor pode dar, por exemplo, mais tempo para o aluno concluir uma atividade. Ou um ano letivo poderia ser desdobrado em dois.”

Suzana Maria Gotardo Chambela, psicóloga e presidente da Comissão de Educação do Conselho de Psicologia (CRP-16)

 

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