Educação Integral para qualidade e equidade no ensino

Fonte: Revista Gestão Educacional  05 de agosto de 2015

Brasil já reúne casos de sucesso, mas ainda enfrenta desafios financeiros, políticos e culturais para implantar o sistema

Em 2007, as escolas estaduais de ensino médio de Pernambuco ficaram em 21º lugar na classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em 2013, o estado alcançou o 4º lugar no mesmo índice e foi o único do Nordeste a figurar entre os dez primeiros colocados. Entre as muitas estratégias colocadas em prática pela Secretaria da Educação de Pernambuco, destaca-se o Programa de Educação Integral, que hoje representa 328 instituições e 45% dos alunos de ensino médio do Estado. Até o fim de 2015, o número deve chegar a 50% com a abertura de 12 novas escolas. “O projeto iniciou com apenas um colégio, em 2004, e depois se expandiu progressivamente. E os resultados têm sido extraordinários. Somos o Estado que mais avançou no Ideb e vemos que os alunos de escolas integrais têm desempenho bem maior que os de escolas regulares”, comenta Frederico da Costa Amâncio, secretário estadual da Educação de Pernambuco.

O exemplo de Pernambuco foi pioneiro no país e é tido como referência para o desenvolvimento de outros projetos. Além dos resultados já citados, o Estado comemora a queda significativa da evasão escolar. Em 2006, Pernambuco era o 26º Estado do país com alto índice de evasão escolar, com taxa de 24% de abandono. Em contrapartida, em 2013, atingiu o 1º lugar com a menor evasão escolar brasileira: 5,2%. “A escola em tempo integral tem ajudado a manter o aluno em sala de aula. No ensino médio, em que geralmente ocorre o abandono, nós conseguimos mantê-lo com o apoio da família e da sociedade”, afirma o secretário.

Com foco na formação integral do cidadão e no desenvolvimento de habilidades socioemocionais – chamadas também de não cognitivas –, a rede estadual de Pernambuco exige dedicação exclusiva de professores, de modo a desenvolver o relacionamento entre corpo docente e alunos, e investe em infraestrutura para garantir condições físicas de oferecer atividades que agregam ao currículo tradicional, como trabalho qualificado em língua estrangeira, informática, robótica, entre outras atividades. “Todos os números e a opinião dos professores e das famílias mostram que a escola integral tem resultados superiores em comparação com o ensino tradicional. Mesmo levando em conta a vulnerabilidade social, as carências de nosso estado e das famílias, temos conseguido alcançar e manter os alunos dentro de sala de aula”, comemora Amâncio.

Hoje todos os municípios do estado têm ao menos uma escola de referência – como são chamadas as instituições do Programa de Educação Integral em Pernambuco –, instituições que receberam investimentos em infraestrutura para contar com espaços adequados para atividades de contraturno. Apesar do esforço para oferecer tudo na própria escola, o secretário comenta que os gestores podem realizar parcerias locais, se necessário. Entretanto, Amâncio aponta que as parcerias que oferecem melhores resultados são as que integram as famílias e a comunidade local ao ambiente escolar. “Os melhores resultados vêm de alunos que estão localizados no interior do Estado, em áreas muito pobres em região de semiárido, porque é onde acontece o maior envolvimento da sociedade civil e da família”, afirma o secretário.

Conceitos fundamentais

O caso da rede estadual de Pernambuco demonstra alguns aspectos importantes da educação integral que, muitas vezes, não são percebidos devido à maneira equivocada com a qual se discute o tema. “Temos a percepção de que ainda há necessidade de reforçar que a educação integral não é apenas uma extensão da jornada. A universalização da educação básica, ainda muito recente no Brasil, exigiu uma composição escolar que comprometeu muito a qualidade [do ensino]. A escola em três turnos de quatro horas permite o atendimento a uma demanda que cresceu de repente com a obrigatoriedade do ensino fundamental. Essa estrutura em mais de um turno, inclusive, não existe em muitos países”, observa Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do movimento Todos pela Educação (TPE).

Segundo Alejandra, por ter uma carga horária tão pequena, a ideia de que a educação integral seria simplesmente um aumento da jornada escolar acabou sendo a compreensão mais lógica, porém não traduz a realidade. “Não basta preencher o tempo extra com qualquer atividade. É necessário criar um cronograma que esteja em consonância com o projeto pedagógico da escola. Mais que pensar em uma atividade específica, é preciso integrá-la ao restante do currículo e planejar como ela vai contribuir para a aprendizagem” diz.

Patricia Mota Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social, reforça a importância de compreender o conceito de educação integral. “Não é mais do mesmo. Educação integral pressupõe reavaliar o currículo, diversificar a oferta, olhar projetos interdisciplinares. Pressupõe também maior protagonismo do aluno na produção de seu conhecimento”, ressalta. Para a especialista, ainda há percepções equivocadas, mas a discussão tem evoluído e o debate a respeito da educação integral tem se tornado cada vez mais qualificado. “Começamos a ver mais na pauta, na agenda de políticas públicas, em debates e discussões de formadores de opinião e educadores, o reconhecimento de que a educação integral não é apenas uma ampliação do tempo – o que também é importante –, mas um aumento dos tipos de aprendizagem a que crianças e jovens estão expostos e dos espaços em que essa aprendizagem acontece”, completa Patricia.

Essa evolução no debate não é por acaso. Há quase 20 anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) indicou o aumento da jornada escolar para sete horas diárias como um alvo da política pública. Recentemente, o Plano Nacional de Educação – PNE (2014-2024) – estipulou como meta a implantação da educação integral em 50% das escolas até 2024, atingindo ao menos 25% dos estudantes do país. Atualmente, segundo dados do Censo Escolar 2014, dos 35,9 milhões de estudantes da educação básica, 6,1 milhões estão matriculados em escolas integrais.

Inclusão e equidade

Mais que melhorar resultados em avaliações de larga escala, a educação integral tem papel de inclusão e de redução na desigualdade. Patricia ressalta que ainda que as escolas particulares tenham carga horária menor, entre cinco e seis horas diárias, os alunos de classe média alta têm possibilidades que a família proporciona no contraturno. Além de fazerem cursos de língua estrangeira, música e esportes, esses estudantes vão ao teatro, ao cinema, viajam e participam de outras atividades que formam seu repertório sociocultural. “Há um consenso de que essas são aprendizagens que contribuem para a formação do sujeito. Quando a gente fala do efeito equitativo da educação integral, estamos falando sobre oferecer aos estudantes de escola pública, em especial os de situação econômica menos favorável, possibilidades de formação desse repertório sociocultural, que é fundamental para a formação do indivíduo e que trará resultados lá na frente, mesmo fora de escola”, explica.

É também nesse aspecto que entra a preocupação da Secretaria de Educação de Pernambuco em oferecer atividades que desenvolvam as habilidades socioemocionais, como abertura a novas experiências, responsabilidade, autoconfiança, disciplina, autocontrole emocional etc. “Desde o início, nossa estratégia pedagógica contemplava não apenas aumentar o tempo do conteúdo pedagógico, mas trabalhar esse lado não cognitivo, preparando o jovem não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a vida”, explica Frederico Amâncio, secretário de educação.

Segundo Patricia Guedes, outros países em que a educação integral é implementada focam a ampliação do repertório sociocultural e as oportunidades na formação da criança e do jovem para além da leitura, da escrita e da matemática. Patricia observa que essa escolha tem impacto no desempenho e nas avaliações dos alunos, mas ela vai além disso: ela reflete diretamente na formação mais completa do indivíduo, em sua transição para o mundo adulto. “A exposição a uma educação integral de qualidade tem, lá na frente, impacto na participação [do jovem] como cidadão e no mundo adulto. Ela tem papel muito estratégico e tende a beneficiar ainda mais os alunos de classes econômicas mais baixas, que estão em áreas de maior vulnerabilidade e vêm de família com baixa escolaridade”, considera.

Atividades extracurriculares

O planejamento de atividades em educação integral é um dos grandes desafios das instituições que desejam implementar um projeto coerente e eficaz. Isso porque não se pode apenas pensar em uma lista de atividades extracurriculares e inseri-la no contraturno. “Dar coerência a essas atividades e integrá-las ao projeto pedagógico são os maiores desafios das escolas de educação integral”, afirma Alejandra Velasco. Segundo a coordenadora do TPE, o objetivo é inserir essas ações extras de maneira que não sejam mais extracurriculares, mas façam parte tanto da aprendizagem quanto das disciplinas consideradas tradicionais. “A educação integral é uma ampliação das oportunidades de aprendizagem, e não apenas a ocupação do tempo no contraturno”, ressalta. “Por isso, é preciso que o corpo docente tenha uma integração em suas atividades para que todas – mesmo em diferentes disciplinas – façam sentido juntas e contribuam para o aprendizado”, enfatiza.

Planejamento

O planejamento é o primeiro passo para a implantação de um projeto de educação integral, pois é ele que contém ideias de atividades, possibilidades de parceria e, principalmente, a maneira como todo o currículo é integrado. “É preciso desenvolver um planejamento da educação integral da mesma maneira que se planeja hoje o período regular. Ele contemplará a relação entre as diferentes disciplinas e como cada atividade contribuirá para a aprendizagem”, explica Alejandra.

Para Patricia, o planejamento é o momento de discussão com o corpo docente, que ajuda a construir o projeto de maneira interdisciplinar, diversificada e sem apenas ofertar mais horas do mesmo conteúdo. “Nada disso é simples, e isso só se consegue com um planejamento coletivo bem estruturado, que garanta a colaboração da equipe e o crescimento conjunto”, comenta. É com base nesse projeto que avaliações contínuas poderão ser feitas na escola para analisar o sucesso da implantação das atividades. “É importante acompanhar o que está acontecendo no dia a dia e, principalmente, escutar o retorno dos alunos, da família e da equipe. Esse é um processo de avaliação que está ao alcance do gestor escolar”, orienta Patricia.

Parcerias

Entre os pressupostos da educação integral está o oferecimento de outros locais de aprendizado para o aluno, extrapolando os muros da escola. “A educação integral reconhece que há saberes de que o aluno precisa e que acontecem fora da escola. Por isso, o mapeamento de parceiros externos – inclusive para composição de atividades – é tão importante e deve estar contemplado na proposta pedagógica”, afirma Patricia. Esse aprendizado fora da escola pode acontecer por meio da apropriação de espaços públicos – quadras, parques, praças –, por organizações sociais, universidades, museus, clubes, associações de moradores, entre outras possibilidades. “Já há países, como Portugal, Inglaterra e França, que desde a proposta pedagógica da escola já se contemplam parcerias com educadores externos especializados em determinado saber. Mesmo porque, na escola, os professores darão conta até determinado ponto. Em outra área do saber, a escola pode compor uma parceria com um profissional local que atenderá a demanda”, observa a gerente.

Um exemplo disso é o caso da rede municipal de Belo Horizonte (MG), que faz parceria com escolas particulares de música para oferecer aulas aos alunos com maior talento e aptidão na área. Essas parcerias e ampliação das possibilidades de espaços de aprendizado são necessidades de um projeto de educação integral, mas também respostas a um desafio real de infraestrutura. “Muito gestor escolar encontra limitações na estrutura física da escola e não tem recursos próprios no orçamento para ampliação, então pode utilizar espaços na comunidade para realização de oficinas, esportes e outras atividades”, exemplifica Patricia.

Alejandra lembra que o deslocamento pode ser um fator complicador para a apropriação de espaços públicos e que os municípios pequenos têm mais facilidade para o uso dos equipamentos da cidade. Na rede pública de ensino, as parcerias podem ser facilitadas com o respaldo das secretarias, por exemplo, quando há articulação entre as pastas de Educação, Cultura e Esporte. “Claro que um diretor de escola pode falar com um centro cultural próximo à instituição, mas, se a Secretaria de Educação já mantém um diálogo e um trabalho de colaboração com a Secretaria de Cultura, ajudará muito o gestor”, comenta a coordenadora do TPE.

E o professor?

O docente que trabalha com educação integral precisa passar por uma formação continuada, receber subsídios para que tenha condições de se dedicar exclusivamente a uma mesma instituição e ter orientação a respeito da integração interdisciplinar esperada para o sucesso do projeto. “As secretarias de Educação precisam assumir esse papel de formação tanto do professor quanto do gestor e também de outros personagens que venham fazer parte do projeto educacional – por exemplo, um artista de um centro cultural, que é muito especializado, mas tem pouca didática”, comenta Patricia. Ela explica que outras pessoas que também assumem o papel de educadoras precisam receber treinamento.

Desafios

Um dos desafios da educação é a evasão escolar, especialmente no ensino médio. Foi exatamente nessa fase que o governo de Pernambuco conseguiu, por meio do Programa de Educação Integral, reter os alunos e mantê-los na escola. Para Patricia, o maior desafio da educação integral no ensino médio é manter o aluno na escola, visto que este já vislumbra sua inserção no mercado de trabalho ou, muitas vezes, já está trabalhando, o que o faz parar os estudos. “Mesmo para os que ainda não trabalham, a oferta da educação integral precisa ser repensada. A gente observa fora do Brasil, em países como Dinamarca, França e Portugal, escolas que já incluem matérias eletivas para que o aluno possa escolher e já experimentar a questão da vocação e interesses pessoais”, exemplifica.

Além da possibilidade de disciplinas eletivas, que são uma tendência, as escolas também podem explorar parcerias que permitam o diálogo entre currículo escolar, continuidade dos estudos e mercado de trabalho. “Algumas redes incluem o ensino profissionalizante no ensino médio, permitindo que o jovem saia da escola com a possibilidade de entrada rápida no mercado de trabalho. Outra opção é oferecer experiências práticas, como estágios em empresas e instituições parceiras”, comenta. De acordo com Patricia, essas são algumas das estratégias utilizadas por países europeus que desejam diminuir para 10% a evasão escolar no ensino médio. “Eles têm incluído parceiros e oferecido disciplinas eletivas que permitem que o jovem explore diferentes formas de conhecimento e de trabalho e amplie seu repertório de possibilidades”, salienta.

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