A ABRALE – Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos, com apoio da Livraria da Vila , realizou, em 19 de março de 2015, no auditório da Livraria da Vila do Shopping JK Iguatemi, às 19h30, o primeiro evento do ciclo Educação em Debate: o livro didático.
Tema do encontro: O livro didático de linguagens e ciências humanas.
Participantes:
. Circe Maria Fernandes Bittencourt
Doutora em História Social (USP)
. Norma Seltzer Goldstein
Doutora em Letras (USP) e autora de livro didático
. José Esutáquio de Sene
Doutor em Geografia (USP), autor de livro didático e Diretor da ABRALE
Mediador
. José De Nicola
Autor de livro didático e Diretor da ABRALE
Abertura
Professor José De Nicola abriu o evento apresentando breve histórico do livro didático no Brasil. Inicia o retrospecto por José de Anchieta, considerando a elaboração de uma gramática para os jesuítas catequizarem índios, no século XVI, como primeiro caso de transposição didática.
O percurso passa pelo século XX, no período do Estado Novo de Getúlio Vargas, quando, em 1938 , o livro didático que tem sua primeira legislação e é criada a Comissão Nacional do Livro Didático para avaliar os livros.
Ao longo dos anos 40, 50 e 60, os LD são elaborados por professores das universidades e seguem, a partir de 1951, a distribuição de conteúdos definida por decretos governamentais.
Esse modelo é rompido no final dos anos 60, com o Acordo MEC/USAID, assinado pelo governo dos militares com a agência norte-americana; são distribuídos 51 milhões de livros para as áreas de exatas.
Nicola comentou que, a partir da década de 1970, com a crescente urbanização e a unificação dos vestibulares, assiste-se ao boom dos cursinhos e, ao final dessa década e início dos anos 80, muitos professores que trabalhavam em cursinhos publicam livros didáticos de suas áreas. Isso intensifica tanto o crescimento quanto o surgimento de novas editoras, com o aumento significativo de autores de livros didáticos.
Ao final da década de 90, com os PCNs, as avaliações do livro didático feitas pelo MEC e a disseminação do “politicamente correto”, faz aumentar o grau de intervenção sobre os livros didáticos, realidade ainda vivida atualmente.
Ressalta que o livro didático, em alguns lugares e circunstâncias é, não raras vezes, o único livro a que uma pessoa tem acesso ao longo de sua vida. O livro didático – às vezes herói, às vezes, vilão – é o objeto controverso dos encontros deste ciclo de debates.
. Professora Circe Maria Fernandes Bittencourt
Inicia sua fala contando que se dedica à pesquisa sobre o livro didático desde seu doutorado nos anos 80.Montou uma biblioteca de livros didáticos na USP (BLD) e o Banco de Dados LIVRES ( Livros Escolares Brasileiros- 1810 aos dias atuais) o qual pretende que se torne um banco de dados completo sobre a produção de livros didáticos no Brasil. Sua experiência como autora de livro didático é apenas uma produção de uma obra para escola indígena dos Terena – História do povo Terena ( CTI, MEC. 2000)
Sua pesquisa constata que no decorrer da História da Educação escolar, no mundo didático há grande variedade de gêneros de LD : livros de leitura, catecismos, compêndios das disciplinas, dicionários, livro do professor em separado do LD do aluno… Mesmo quando se fala em Livro digital, continua sendo um gênero de LD.
Fez um retrospecto histórico sobre algumas publicações, ressaltando que o livro didático sempre foi considerado por uma série de análises como veículo ideológico mas esta constatação não poderia ser diferente e não explica o que é efetivamente o livro didático.
O percurso histórico apresentado pela professora passa pela criação da Imprensa Régia que possibilitou a feitura dos primeiros livros didáticos brasileiros, até os primeiros livros produzidos por professores do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.
No final dos anos 70, o LD foi criticado como sendo o portador da ideologia do estado burguês. Anteriormente , em 1963, uma obra feita pelo MEC, História Nova do Brasil de Nelson Werneck Sodré fora cassada no Golpe de 64 e todos os autores presos. Um LD de história que marcou o início da repressão da ditadura militar.
Destaca que os editores começaram, desde o século XIX, a dar preferência a livros produzidos por professores , pois estes têm a experiência de sala da aula. Nesse sentido, mesmo sendo vinculado aos saberes da academia, os livros didáticos passam a ter um formato próprio e uma peculiaridade: “o livro didático é feito para o professor e o aluno é o leitor compulsório”.
Considera o livro didático como obra autoral e não mera transposição didática.
Professora Circe critica veementemente as apostilas como materiais por se caracterizarem como sínteses extremamente redutoras do conhecimento, prejudicando a formação dos estudantes e seu objetivo é apenas o de fazer o aluno responder a avaliações.
Encerra afirmando que o livro didático é um objeto imprescindível, em qualquer formato para a formação de professores e para a formação de alunos.
. Professora Norma Seltzer Goldstein
Expõe questões metodológicas do ensino da língua portuguesa relacionadas ao binômio texto-discurso. Enfatiza a importância da dimensão do discurso para que não haja um ensino descontextualizado. Ressalta que o aspecto discursivo da linguagem é fundamental na sala de aula em todas as disciplinas.
Ressalta que os aspectos metodológicos estão interligados a fatores como professores bem formados e bem remunerados. O livro didático é um dos instrumentos de que o professor se utiliza, dentre outros como periódicos, vídeos, filmes de longa e curta metragem, folhetos, folders etc. O manual didático terá bons resultados, quando usado por bons professores.
Finaliza a fala, considerando o livro didático como produção original, em contraposição aos que o consideram mera transposição didática. Afirma que, mesmo que a fundamentação teórica de um livro didático seja baseada em conhecimentos científicos acadêmicos, é necessária uma ponte entre a teoria e a prática; essa necessidade faz o livro didático ser um tipo de produção que demanda esforço autoral.
Afirma ainda que CAPES e CNPq passaram a valorizar o aspecto social nos programas de pós-graduação, o que traz a esperança de valorização da produção de livros didáticos, que passaram a ser pontuados nos relatórios acadêmicos dos programas de pós-graduação..
. Professor José Eustáquio de Sene
Inicia sua fala esclarecendo que seu artigo sobre o livro didático, inicialmente produzido para fazer parte dos anais de um congresso e depois publicado na Revista Brasileira de Educação em Geografia, foi o motivador, em reunião da ABRALE, para desencadear a ação de planejamento e execução dos encontros do ciclo Educação em debate, ora em curso.
Parte de concepções – inclusive em documentos do MEC – que apresentam o livro didático como obra menor, como produto cultural de baixa legitimidade. Há documentos do MEC, produzidos por representantes da universidade, que insinuam que o livro didático é desatualizado em relação à produção acadêmica. Afirma ainda que no meio acadêmico há preconceitos sobre o livro didático, pois na universidade predomina a visão de que esse produto cultural das disciplinas escolares é mera transposição didática. Assim a produção de conhecimento ficaria restrita ao mundo acadêmico.
Discorre sobre o conceito de “transposição didática”, de Yves Chevallard, para quem o conhecimento científico é transformado em conhecimento escolar. Isso se opõe ao conceito de “cultura escolar”, defendido por André Chervel .
Em breve histórico sobre o livro didático de Geografia afirma que foi inicialmente criado para apoiar o trabalho de professores sem a formação especifica. Em seus primórdios, não havia cursos de formação de professores em Geografia. Assim o LD foi, durante muito tempo, produção original da Geografia escolar e não mera transposição didática.
Ressalta que, aqui no Brasil, foi grande a influência de Milton Santos na definição de conteúdos e conceitos na área de Geografia, presentes nos documentos do MEC e nos livros didáticos. Portanto, hoje há originalidade e transposição.
Traz um exemplo para mostrar que já houve, inclusive, transposição de conteúdos do livro didático para produções acadêmicas, ao que chamou de “transposição às avessas”. Mostra um artigo acadêmico com vários trechos de plágio de um livro didático de Ensino Médio, da área de literatura, do professor José de Nicola, e um segundo artigo, publicado posteriormente, com os devidos créditos.
Encerra sua fala reiterando sua posição em defesa do livro didático como um produto original das disciplinas escolares, importante instrumento de trabalho para o professor e fundamental para a formação do aluno
Agradeço a iniciativa da ABRALE na realização do evento. Sinto não ter podido estar presente nas discussões e proponho a realização de outros eventos, talvez um deles com avaliadores de obras didáticas de programas já ocorridos (com certeza, os atuais nem sempre estarão disponíveis!). Seria interessante termos um histórico desse percurso de avaliações e de como os critérios e resultados das mesmas foram e são definidos em consenso.
Um abraço a todos os abralistas e, particularmente, à diretoria que se mostra sempre atenta aos interesses de seus associados.
Obrigada pelo resumo do 1º evento do ciclo Educação em Debate.
Gostei da ideia, pois na impossibilidade de estar presente no evento podemos acompanha´-lo.
Att.
Analuiza