São Paulo cria polo de educação em direitos humanos

Portal Aprendiz – 23/10/2014 –   –  – Danilo Mekari

Os conceitos de diversidade e respeito ao próximo, vitais para qualquer ambiente de aprendizado, se encontram fragilizados não apenas na escola, mas na sociedade brasileira em geral. O aumento das denúncias de racismo e homofobia, os crescentes episódios de bullying entre jovens, a violência policial que assola as periferias são alguns dos elementos que compõem esse cenário preocupante de violações.

Entre 2009 e 2010, subiu  31% no assassinato de homossexuais, travestis e lésbicas no Brasil (260 casos no total). As denúncias de casos de racismo praticamente dobraram no país – de 219, em 2011, para 425, em 2014. Na capital paulista, maior e mais populosa cidade brasileira, a vítima mais comum de homicídios dolosos (quando há intenção de matar) são jovens. Em 2012, foram assassinados 843 deles, o que representa 48% do total de homicídios da cidade (1.752).

Em São Paulo, um projeto tenta romper com essa lógica, trazendo a comunidade escolar como protagonista nas discussões sobre direitos humanos e cidadania.

Há seis meses, os chamados Centros de Educação em Direitos Humanos (CEDH) levam uma formação humanitária, tolerante e baseada no respeito às diferenças à professores, diretores, estudantes, familiares e à comunidade no entorno de quatro CEUs (Centro Educacional Unificado): Casa Blanca (zona sul), São Rafael (zona leste), Pêra-Marmelo (zona oeste) e Jardim Paulistano (zona norte).

Fruto de uma parceria entre as Secretarias Municipais de Educação e Direitos Humanos e Cidadania, com colaboração da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o projeto pretende se tornar uma referência para a rede municipal de ensino, fornecendo material de pesquisa, debates e formações, promovendo a articulação comunitária e a construção de acervos específicos; fomentando um calendário de atividades baseado na agenda dos direitos humanos e a gestão democrática.

“Pode ser uma questão de racismo que apareça na escola ou a persistência das formas de violências que permeiam o cotidiano escolar e que dão para o educador a chave pela qual ele entra com o tema do respeito, da consideração ao outro, da liberdade de expressão, da solidariedade, do que é democracia e diversidade na vivência da escola e como as opções e as diferenças devem ser valorizadas, asseguradas e garantidas”, explica Eduardo Bittar, coordenador de Educação em Direitos Humanos da prefeitura.

Transformação do ambiente escolar

Os CEDHs são o primeiro passo para a concretização doobjetivo 63 do programa de metas da gestão do prefeito Fernando Haddad, que prevê a implementação da Educação em Direitos Humanos nas escolas públicas da cidade. Para Bittar, o projeto possibilita uma oportunidade de aprendizado coletivo e de transformação qualitativa das relações nas escolas.

Gestão

Sui generis é a expressão usada por Aline Vicentim, que também coordena o projeto, para definir a gestão dos CEDH. “É o contrário da gestão do gabinete, na qual as decisões são tomadas na Secretaria e simplesmente impostas aos participantes”, revela. O organograma prevê que os CEUs e as Diretorias Regionais de Ensino (DRE) designem gestores para o Grupo de Trabalho Central do projeto, onde, junto aos representantes do poder público, discutem sugestões, deliberações e decisões. “Não só uma das finalidades do projeto é promover a gestão democrática nas unidades, como a gestão do projeto é feita por critérios democráticos que envolvem atores das escolas e da comunidade. Mais uma vez a ideia de romper os elos”, defende Bittar.

A sua inspiração vem do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, lançado em 2006 com a intenção de fortalecer práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, assim como a reparação das violações. “A replicação do Plano está acontecendo nos processos formativos. Trabalhar considerando esse marco normativo é se apropriar dele e trazê-lo para a nossa realidade”, comenta Bittar.

Ainda de acordo com a meta 63, a intenção da prefeitura paulistana é formar seis mil educadores até 2016. A escolha das unidades que receberiam osCentros levou em conta a situação social dos CEUs. A ideia foi dar mais espaço aos centros educativos que se localizam em regiões de alta vulnerabilidade e que tenham questões recorrentes no âmbito dos direitos humanos.

“Havia equipes gestoras com muita vontade de iniciar esse tipo de projeto, inclusive com afinidade temática, necessidades e demandas acumuladas no tema”, relembra Bittar.

Currículo

Cada unidade do CEDH pode optar pela inclusão de uma disciplina relacionada aos direitos humanos no currículo escolar ou usar o contraturno para promover atividades lúdicas, esportivas e culturais, nos quais os temas relativos à cidadania, violência, brutalidade do Estado, racismo e falta de acesso à escola serão trabalhados por meio de filmes, mostras e debates.

Vagas abertas para formação

Universidade Federal do ABC (UFABC) oferece aos educadores da rede municipal de ensino mil vagas nos cursos de “Gênero e diversidade na escola” e “Educação em Direitos Humanos”, que acontecerão no primeiro semestre de 2015.

Semi-presenciais, os cursos terão carga horária de 180 horas. As atividades presenciais (20% da carga horária total) serão realizadas em 10 polos da Universidade Aberta do Brasil (localizada nos CEUs Vila do Sol, São Rafael, Paraisópolis, Três Lagos, Parelheiros, Navegantes, São Mateus, Azul da Cor do Mar, Perus e Butantã).

Abertas até o dia 2/11, as inscrições são realizadas online. Veja mais informações sobre os cursos “Gênero e diversidade na escola” e “Educação em Direitos Humanos”.

Segundo o coordenador, esses elementos possibilitam a “transformação cultural através de aulas com conteúdo mais humanista, crítico e interdisciplinar, voltado às preocupações de acesso e realização dos direitos”. Mas ele pondera que esse processo deve ser gradativo e não impõe, necessariamente, a criação de uma disciplina.

“Do ponto de vista pedagógico, as duas estratégias são válidas e úteis, mas se somadas têm mais força. Atuando isoladamente, elas podem ficar soltas demais na proposta”, acredita Bittar.

Aline espera que o impacto dos Centrosaconteça no dia a dia das matérias. “O professor de História não pode discutir a escravidão sem falar de racismo e igualdade. O docente de Ciências não pode explicar o meio ambiente sem falar de sustentabilidade, lixo, água. Já o de Português pode ensinar sobre a língua falada em Moçambique e Angola e também citar as diferenças culturais entre esses povos”, sustenta.

“Quando a gente fala de formar o professor e o gestor é para que ele seja capaz de fazer a ligação com os direitos humanos dentro do currículo existente. É a maior riqueza que podemos conseguir: o professor, na sua rotina de aulas, conseguir falar de tópicos e temas dentro dos direitos humanos e cidadania.”

Cidade Educadora

Projetos como esse podem contribuir para a construção de uma cidade mais educadora e menos desigual. “Não apenas contribuir: acredito que a Educação em Direitos Humanos é a base para que isso aconteça”, afirma Aline. “Os conceitos e valores que defendemos extrapolam os muros da escola.”

“Esse conceito de cidadania expandida – uma cidade que educa através de seus equipamentos, em vários espaços, e transforma o seu próprio meio ambiente excessivamente urbano – é extremamente bem vindo, no sentido de tornar possível que o projeto do CEDH se consolide e se realize”, conclui Bittar.

 

 

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